Discurso do Ministro da Justiça na sessão solene de abertura do Ano Judicial, em Lisboa
Ao celebrarmos o Centenário da implantação da República exaltamos a fundação do Estado republicano, democrático e constitucional. E lembramos entre as figuras republicanas a do primeiro responsável pelo Ministério da Justiça, Afonso Costa, que deu início a uma árdua tarefa de democratização da Justiça.
Hoje ao Ministério da Justiça cabe, nos termos da lei, a concepção, condução, execução e avaliação da política de Justiça definida pela Assembleia da República e pelo Governo e, ainda, no âmbito das suas atribuições, assegurar as relações do Governo com os Tribunais e o Ministério Público, o Conselho Superior da Magistratura e o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a Ordem dos Advogados e Associações Profissionais.
No cumprimento dessa missão é fundamental a ideia de consulta e aconselhamento estratégico. O funcionamento do Conselho Consultivo da Justiça, órgão que ao ter reunido por duas vezes nos primeiros 90 dias do novo governo, cumpre, também, essas atribuições mas adquire, igualmente, uma dimensão simbólica que revela a vontade institucional de diálogo, que se quer aprofundar em todas as suas dimensões.
Os desafios que se apresentam, ao poder político, aos responsáveis e operadores judiciários pelas circunstâncias da nossa estrutura social ou pela imposição da nossa matriz constitucional e jurídica, exigem um esforço e a uma responsabilidade partilhados, imunes a tentações ou instrumentalizações casuísticas.
Temos consciência da necessidade de continuar o processo reformista, iniciado pelo anterior governo, e da tarefa que a todos nos impele de alcançar maior eficácia e celeridade na Justiça; reforçar a prevenção e a repressão criminal; melhorar o acesso à justiça; melhorar a qualidade da legislação; consolidar o prestígio dos responsáveis e operadores judiciários; em suma, reforçar e credibilizar a confiança da comunidade no sistema de justiça.
O Governo orientará a sua acção no sentido de prosseguir os esforços para fornecer um serviço público de justiça que respeite os direitos humanos, mais próximo do cidadão, acessível a todos, mais célere e mais transparente, com mais e melhores vias alternativas de resolução de conflitos.
O Governo promoverá também a celeridade e eficácia da investigação criminal, criando melhores condições para que o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal desempenhem as suas funções com as necessárias condições de eficácia.
Serão desenvolvidos Planos de Gestão de Riscos de Corrupção e Infracções Conexas e a fiscalização da respectiva execução. Será concluída a avaliação do impacto da revisão do Código do Processo Penal de 2007 e reforçados, no decurso da legislatura, os meios tecnológicos da investigação criminal.
O Governo dará especial importância ao contributo da justiça para a promoção do desenvolvimento económico, criando condições para a segurança jurídica, a confiança e a promoção de investimento. A qualidade do serviço público de justiça será promovida através da simplificação e reengenharia de processos; da utilização sistemática das tecnologias de informação e comunicação no sector da justiça; da alteração do paradigma legislativo, promovendo «menos leis, melhores leis»; e da avaliação sistematizada dos vários regimes jurídicos que se encontram em fase de concretização.
Há hoje um vasto consenso sobre a necessidade de utilização das oportunidades facultadas pela rápida expansão das redes electrónicas e das novas tecnologias de informação e comunicação, que importa usar em larga escala para fornecer um cada vez melhor serviço público de Justiça.
Para tal importa dotar os tribunais com mais e melhores meios informáticos, ligando-os em banda larga, e oferecendo-lhes aplicações informáticas fiáveis, úteis e seguras.
O método a usar para tal será assente no envolvimento permanente de todos os utilizadores. O objectivo comum – que só assim poderá ser atingido – é acelerar o ritmo da mudança.
O investimento e o esforço humano em que continuaremos a apostar permitiu já uma significativa redução de tempos e custos e uma poupança de recursos aos advogados, aos solicitadores, aos juízes, aos procuradores, aos oficiais de justiça, mas, sobretudo, aos cidadãos e às empresas.
É hora de consolidar, robustecer e expandir. Fá-lo-emos tendo em conta as propostas e observações feitas, de vários quadrantes e pelos utilizadores em concreto das aplicações.
Mas, modernizar a justiça implica, também, utilizar novos mecanismos que permitem um maior acesso do cidadão à justiça assim como formas mais simples, baratas e flexíveis de resolução de conflitos e de pacificação social. Assim, vamos consolidar a rede dos julgados de paz e imprimir acrescida eficácia à mediação e arbitragem como meios efectivos e práticos de resolução alternativa de litígios, harmonizáveis com o sistema judicial.
Estou certo de que terá boa repercussão no funcionamento dos tribunais e meios alternativos de resolução de litígios a execução do nosso plano global de informatização integral dos registos e notariado, de forma a concretizar o acesso universal e tendencialmente gratuito aos registos públicos, através da Internet.
Na presente legislatura, o Governo procederá a uma avaliação do novo modelo de organização judiciária, iniciado em três comarcas piloto, fazendo as correcções necessárias e adoptando as medidas que se mostrem necessárias em função das conclusões extraídas da avaliação.
No que diz respeito à formação dos magistrados, o Governo acentuará a vocação do Centro de Estudos Judiciários para a formação especializada, permanente, através de parcerias com outras entidades, impulsionando o recurso do ensino à distância, de forma a propiciar aos magistrados e funcionários novas formas de actualização e progressão da carreira.
Importa inserir os nossos debates e os nossos processos de mudança do sistema de justiça no contexto da Europa do século XXI, em que 27 Estados estão a construir um espaço de liberdade segurança e justiça. Os nossos objectivos comuns estão hoje sintetizados no Programa de Estocolmo, aprovado no passado mês de Dezembro, que nos vincula a todos a facilitar o acesso à justiça, ponto fulcral a nível nacional, mas também para tirar plenamente as consequências das oportunidades do espaço judiciário europeu, em especial nos procedimentos transnacionais.
Somos ainda confrontados com um novo patamar de democratização do processo legislativo da União Europeia. O reforço dos papéis do Parlamento Europeu e dos Parlamentos Nacionais, e a maior fiscalização do Tribunal de Justiça, acompanha um aumento significativo das competências em matéria de Justiça e Assuntos Internos, mais vocacionadas para o combate à criminalidade organizada, responsável pelo terrível flagelo do tráfico de seres humanos, para a prevenção do crime, a protecção das vítimas de crimes e para a luta contra o terrorismo.
O Tratado de Lisboa coloca, desta forma, a liberdade, a justiça e a segurança no centro das suas prioridades e oferecer-nos novas perspectivas de tendencial harmonização legislativa. Mas não esquece os cidadãos – confere-lhes a possibilidade de invocar judicialmente as disposições da Carta dos Direitos Fundamentais da UE que passa a ser juridicamente vinculativa.
As reformas da justiça são um processo continuado, consistente e partilhado, não devem estar ao abrigo de soluções fáceis ou tentações corporativistas ou imediatistas, exigem responsabilidade: uma ética de serviço público.
Uma justiça livre e justa, e igual para todos, é um desafio da República que todos temos o dever de honrar e cumprir.